Condo-hotel e Multipropriedade: entenda as diferenças e por que o ramo hoteleiro pode ser rentável
Primeiro, o que é um condo-hotel? Como o próprio nome sugere, trata-se de um empreendimento imobiliário com estrutura operacional hoteleira, aprovado administrativamente como um hotel, mas estruturado juridicamente sob a forma de condomínio. As unidades, tal como em um condomínio edilício comum, são todas autônomas, com matrícula e registro próprio.
Todavia, diferente do modo pelo qual se está acostumado a observar, a operação é explorada por uma operadora hoteleira, e o investidor interessado que adquire a propriedade da unidade não possui o direito ao uso e gozo do imóvel diretamente, mas, sim, ao resultado que a administradora auferir em termos de renda.
Ou seja, o adquirente, ao realizar um investimento no empreendimento, não busca a posse da unidade, mas, sim, o rendimento que essa unidade proporcionará. Basicamente, a operação se assemelha muito aos fundos imobiliários, nos quais os rendimentos são pagos mensalmente aos cotistas por meio da distribuição de dividendos.
Pois bem. Como dito acima, trata-se o condo-hotel de um produto imobiliário do tipo investimento para obtenção de renda, porquanto é pensado e destinado ao investidor que deseja ter seu capital investido em imóveis com o fim de geração de renda e possível valorização patrimonial.
Não se refere, portanto, a um investimento em imóvel para uso próprio. Em razão disso, a legislação considera o condo-hotel como um valor mobiliário, estando sujeito à regulamentação própria pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
E o que é um valor mobiliário?
Em simples termos, quando um bem adquire um caráter especulativo, passando a ser precificado não pela coisa em si, mas pelo potencial valor de renda ou de valorização, sem que essa valorização ou renda se dê por esforço do próprio investidor, a legislação qualifica esse bem como valor mobiliário, que é regido por normas próprias da CVM, autarquia vinculada ao Ministério da Economia que tem como princípio fundamental proteger o investidor e os interesses sociais.
Mais precisamente, o artigo 2º da Lei 6.385/76 elenca as espécies de valores mobiliários, enquadrando-se o condo-hotel no inciso IX (contratos de investimento coletivo):
Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:
IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
Nesse sentido, para que a administradora hoteleira possa comercializar as unidades autônomas, é necessário passar por um procedimento prévio de registro de oferta pública perante a CVM, que é o modo pelo qual a autarquia verifica se a oferta cumpre os requisitos legais e as peculiaridades pertinentes para a comercialização do produto no mercado imobiliário.
Registrada e aprovada a oferta pública, o investidor interessado pode adquirir uma unidade inteira (100% da unidade) ou, se possível, a depender de como foi registrada a oferta, fração dela (25%, 50% etc.), formando um condomínio em propriedade junto aos demais investidores. Esse condomínio, contudo, não se confunde com a multipropriedade, pois a propriedade não está atrelada ao tempo de uso, mas, sim, à participação nos rendimentos.
Como o empreendimento é administrado por uma empresa especializada, é uma excelente opção para o investidor que deseja investir em imóveis, mas não quer se preocupar com administração, manutenção e inadimplência, ficando tais incumbências a cargo da administradora.
Além disso, conta com relatórios mensais de posicionamento financeiro do empreendimento; valorização patrimonial, se adotada uma boa estratégia de comercialização e marketing; convênios comerciais, pelos quais pode-se aumentar o retorno sobre o investimento, uma vez que o rendimento auferido abrange não só a locação das unidades, mas também outros serviços disponibilizados pelo empreendimento.
Portanto, é um investimento destinado àqueles que não pretendem utilizar o imóvel em si, mas auferir rendimentos de forma passiva. Contudo, como dito no início, trata-se de um empreendimento no qual não é permitido aos usuários o seu uso senão como hoteleiro, não permitindo moradia ou outro tipo de uso que não se enquadre à categoria de hospedagem.
Situação diferente do que ocorre na multipropriedade, na qual, apesar de a ideia ser bastante parecida à do condo-hotel, existem algumas peculiaridades. Uma delas, é em relação ao ônus de conservação e manutenção do condomínio, que são de responsabilidade dos proprietários por não haver uma administradora; além do fato de que, na multipropriedade, é direito do proprietário o direito de uso e gozo do imóvel.
Assim, é importante à incorporadora, no momento da aquisição do terreno, decidir que tipo de produto será disponibilizado no mercado, pois, apesar de serem semelhantes (o condo-hotel e a multipropriedade), o tratamento jurídico dado a um será diferente do outro.
Multipropriedade
Nessa modalidade de empreendimento, o imóvel é adquirido em “frações de tempo”, cuja propriedade do imóvel consiste na divisão do tempo pelo qual cada proprietário dispõe do imóvel dentro do intervalo de 01 (um) ano.
Em outras palavras, ao adquirir um imóvel em multipropriedade, cada proprietário possui o direito de uso e gozo sobre a totalidade do imóvel durante o período que for correspondente a sua fração de tempo, podendo, inclusive, cedê-la em locação ou comodato. Nos termos da Lei 13.777/2018, que instituiu o regime jurídico da multipropriedade:
Art. 1.358-C. Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada.
Art. 1.358-F. Institui-se a multipropriedade por ato entre vivos ou testamento, registrado no competente cartório de registro de imóveis, devendo constar daquele ato a duração dos períodos correspondentes a cada fração de tempo.
A principal diferença que se pode apontar dessa modalidade para o condo-hotel, é que esse tipo de produto (multipropriedade) é regulamentado por uma Lei Federal, que tem como finalidade precípua a instituição do timeshare entre proprietários, e não atividade hoteleira em si, não sendo considerada, portanto, em regra, valor mobiliário.
Assim, por ter previsão e regulamentação legal própria, além de ser um direito real de propriedade, não está sujeita à regulamentação pela CVM, exceto se estiverem presentes características que tornem o produto um valor mobiliário, ainda que sob a forma de multipropriedade. Nessa hipótese, a autarquia poderá aplicar sanções à incorporadora, em razão da ausência de registro prévio para comercialização de valor mobiliário mediante oferta pública.
Nesse sentido, vale citar que no ano de 2019, em decisão colegiada, a Comissão de Valores Mobiliários decidiu sobre o tema. Tratava-se de um empreendimento em multipropriedade em que a controvérsia consistia em se o aluguel cobrado pelos adquirentes em adesão ao pool de locação das frações ideais se enquadrava no conceito de valor mobiliário ou não.
A fim de pacificar o tema, o colegiado elencou algumas balizes formais e materiais para identificar se o produto ofertado pode ser caracterizado como valor mobiliário ou não. São elas:
- se o adquirente pode usufruir do imóvel ou fração adquirida ou se é de alguma forma restringido, de forma relevante, nos seus direitos;
-
se em razão do investimento existe o direito a alguma forma de remuneração;
-
se essa remuneração provém do esforço de terceiros que não do investidor;
-
se os títulos ou contratos sejam objeto de oferta pública;
-
se há uma destinação compulsória da unidade a um pool de locação (fator determinante);
-
a publicização do empreendimento, a ênfase dada pelo empreendedor na promoção do investimento.
Cumpre destacar que tais requisitos devem ser analisados de acordo com o caso concreto, não havendo fórmula pronta para se aplicar de forma generalizada. Pois, como dito, a multipropriedade é regida por lei própria, devendo passar pelo crivo da CVM somente em casos específicos em que se verifica a intenção do incorporador de simular a modalidade do empreendimento.
Em síntese, dos requisitos a serem observados, os principais são o de número 3 e o de número 5. Conforme bem elucida o voto do Relator, acompanhado pelo colegiado:
A simples aquisição de uma unidade imobiliária, seja no regime geral, seja no regime de multipropriedade, com o objetivo de investimento não é suficiente para atrair o regime mobiliário. Essa surge quando, dentre outros elementos, a perspectiva de lucro está associada aos esforços do empreendedor ou de outro terceiro.
De outro lado, o simples fato de o investidor ser demandado a tomar certas medidas não é necessariamente suficiente para afastar aquele regime. O contrato de investimento coletivo pode ser caracterizado mesmo quando os esforços de terceiros não são exclusivos, contanto que esses sejam, ao final, preponderantes e decisivos para a expectativa de rentabilidade. [...] Quando a aquisição do imóvel ou da fração temporal é condicionada à celebração de contrato por meio do qual aquela unidade ou fração é colocada em um pool obrigatório de locação, se está diante de uma oferta de contratos de investimento coletivo. (Processo Administrativo CVM nº 19957.009524/2017-41).
Assim, o fator determinante para a caracterização do valor mobiliário em questão é se a geração de renda das unidades tem origem no esforço do investidor ou de terceiros, devendo as incorporadoras se atentarem a esse detalhe, caso haja previsão de pool de locação vinculado ao empreendimento.
Condo-hotel x multipropriedade
Superados os conceitos e suas particularidades, apesar de possuírem características peculiares, ambas as modalidades (condo-hotel e multipropriedade), como já sabemos, são estruturadas sob a forma de condomínio. Em razão disso, surge a questão sobre a possibilidade de se comercializar um produto que abranja ambas as modalidades de investimento, sem que haja descumprimento das normas legais.
Pois bem. Antes de um produto ser lançado no mercado, é preciso definir, inicialmente, levando em consideração o público a ser destinado, que tipo de experiência se quer transmitir ao consumidor/investidor. Feita a definição, dentre as modalidades existentes e não vedadas em lei, escolhe-se a que melhor se ajusta ao projeto idealizador e cria-se o empreendimento.
Assim, a veiculação de um produto que tenha em si conjugado o direito de posse juntamente com o direito de rendimento mediante esforços de terceiros (no caso em apreço, uma operadora hoteleira), como já demonstrado, seria considerado valor mobiliário, ainda que os adquirentes tenham o direito de posse da unidade autônoma.
Outrossim, em razão da ausência de previsão legal, e em razão de que valor mobiliário e multipropriedade se enquadram em conceitos de mercado distintos, verificamos ser inviável, sob o aspecto formal, sua comercialização.
É necessário, pois, que o produto veiculado pelo empreendimento se enquadre em alguma modalidade e que seja viável jurídica e comercialmente, não podendo ser parte regulamentado por uma norma e parte por outra, até mesmo para fins de identificação de qual órgão será a competência fiscalizadora, regulamentação procedimental etc.
Por outro lado, muito semelhante a essa hipótese, e, nesse caso, plenamente possível, é a comercialização de unidades autônomas de forma fracionada em empreendimento sob o regime de condo-hotel.
Imagine uma modalidade de produto na qual o investidor possa adquirir fração de um imóvel e destiná-lo ao ramo hoteleiro, concedendo a administração e os encargos de gestão a uma administradora especializada, de modo que apenas receba a renda proveniente do capital investido.
Nessa modalidade, o investidor deseja ser o proprietário do imóvel, mas não o deseja para o seu uso próprio, e sim pura e simplesmente auferir renda.
Trata-se do regime jurídico do condo-hotel em condomínio de propriedade, citado no início deste artigo. A diferença para um empreendimento de condo-hotel “comum” é que, ao invés de se comercializar unidades autônomas em sua totalidade, essas são vendidas de forma fracionada, conferindo mais liquidez aos investimentos e tornando o produto mais acessível ao investidor, que terá a segurança de ter seu capital investido em imóveis (dado que o adquirente de fato se torna proprietário do imóvel), aliada a uma possibilidade de obtenção de rentabilidade acima da média, uma vez que os proventos incidem sobre toda a operação hoteleira, isto é, além da hospedagem, os resultados obtidos com restaurante, estacionamento e demais vantagens que o empreendimento oferecer.
Nesse modelo de negócio, todas as unidades autônomas são obrigatoriamente incluídas no pool de locação do empreendimento, sendo administradas por uma empresa do ramo hoteleiro e os proprietários, vale dizer uma vez mais, não possuem a posse das unidades, apenas participam dos resultados.
Outra hipótese discutida é acerca da possibilidade de transformação de um empreendimento em regime jurídico de multipropriedade para um condo-hotel.
Nos termos do entendimento trazido pela Comissão de Valores Mobiliários no julgamento do processo administrativo 19957.009524/2017-41 acima, caso seja firmado negócio jurídico no qual haja obrigatoriedade de destinação do imóvel a um pool de locação, estar-se-á diante de um contrato de investimento coletivo, que é considerado valor mobiliário.
Vejamos, novamente, o trecho do voto do Relator:
Quando a aquisição do imóvel ou da fração temporal é condicionada à celebração de contrato por meio do qual aquela unidade ou fração é colocada em um pool obrigatório de locação, se está diante de uma oferta de contratos de investimento coletivo.
Observa-se que o Relator utiliza expressamente o termo “fração temporal” como possibilidade de se enquadrar no conceito de contrato de investimento coletivo. Dessa forma, partindo dessa afirmação, pressupõe-se que é possível sim sua transformação, contudo, desde que os proprietários não possam utilizar as unidades para uso próprio e que essa transformação seja previamente apresentada e aprovada pela CVM, devendo, ainda, ser discutida junto ao Registro de Imóveis da incorporação e aprovada por todos os coproprietários, o que pode envolver um grande trabalho operacional e inviabilizar financeiramente a transformação.
O mesmo vale para o inverso (transformação de condo-hotel em multipropriedade). Para essa operação, seria obrigatória a instituição do regime de multipropriedade em todas as matrículas dos imóveis, de modo que cada proprietário possua sua própria matrícula derivada da matrícula principal do respectivo imóvel.
Assim, o que seria possível, nesse caso, seria o desfazimento de toda a estrutura do condo-hotel, mediante cancelamento do registro da oferta pública perante a CVM e a realização de abertura de milhares de matrículas em nome dos condôminos em multipropriedade, o que, nos termos da hipótese acima, também seria financeiramente inviável.
Para que tais hipóteses fossem factíveis, interessante seria a elaboração de uma lei específica, que regulamentasse e possibilitasse a conversão de uma modalidade para outra, de forma a aproveitar o regime de propriedade, uma vez que ambas são submetidas ao tratamento jurídico do condomínio.
Em suma, trata-se de dois institutos bastante inovadores para o mercado imobiliário, que, apesar de semelhantes, possuem regramentos e propostas diferentes. Portanto, é sempre importante estar atento aos anseios e necessidades do mercado, de forma a estimular as inovações e, consequentemente, criar novas possibilidades jurídicas.