27/12/23 por Pedro Garcia em Artigos , Direito imobiliário

Fraude contra credores nas operações imobiliárias

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Previsto nos artigos 158 e seguintes do Código Civil, o instituto prevê hipóteses de anulabilidade de negócios jurídicos quando firmados em prejuízo de credores. O prazo para pleitear a anulação é de 04 (quatro) anos, contados da data da realização do negócio. 

Segundo o primeiro artigo do Código Civil que trata sobre o tema (art. 158), é considerado fraude contra credores a transmissão gratuita de bens, bem como o perdão de dívida, se o devedor já insolvente, ou por eles levado à insolvência, os praticar. 

Em outras palavras, aquele que deve tem o dever de manter patrimonio bastante para honrar suas dívidas, sob pena de incorrer em fraude. Como se nota, o devedor, nesses casos, sofre uma limitação patrimonial imposta por lei.  

Assim, da leitura do dispositivo, depreende-se que para a ocorrência da fraude contra credores são necessários basicamente três requisitos: (i) a anterioridade do crédito; (ii) a insolvência do devedor; e (iii) o prejuízo ao credor. 

Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, haveria, ainda, um quarto requisito: o conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor.  

Esse entendimento, no entanto, é aplicável somente para os negócios onerosos, ou seja, para aqueles em que há uma contraprestação patrimonial (contrato bilateral). Repare que o artigo 158 diz somente sobre a transmissão gratuita de bens e o perdão de dívida. Note que nesses casos não há contrapartida: a pessoa que recebe o ato gracioso apenas o aceita, não tendo que dar nada em troca (contrato unilateral). 

Prevendo, então, a anulabilidade dos negócios onerosos, o artigo 159 diz  que para a sua configuração, além dos requisitos acima citados, é necessário que a insolvência do devedor seja notória ou haja motivo para ser conhecida do outro contratante.  

Portanto, não são somente os atos gratuitos, que estão sujeitos à fraude contra credores, também o sendo os onerosos, desde que presente o requisito acima. 

Assim, em uma compra e venda de um imóvel, por exemplo, havendo o vendedor dívidas anteriores, ainda que não sejam dívidas que recaiam diretamente sobre o bem pretendido, se ele (devedor) não tiver outro patrimônio bastante para quitar a dívida - isto é, ficar insolvente - surge para os credores a possibilidade de pleitear a anulação do negócio que levou o devedor à insolvência, por meio do instituto da fraude contra credores. 

Esse requisito (conhecimento do estado de insolvência do devedor), no entanto, a depender do caso concreto, é aplicável com menos critério para pessoas ou entidades que das quais não se espera uma diligência tão apurada na aquisição de um imóvel.

Exemplificando, caso a adquirente seja uma empresa do ramo imobiliário (construtora, incorporadora ou administradora de imóveis), o critério técnico a ser empregado e o conceito do que é considerado “boa-fé” será observado com muito mais rigor do que se fosse uma transação realizada entre pessoas físicas.  

Melhor dizendo, em uma operação empresarial, é esperado que a parte compradora empregue uma maior diligência na vida pregressa da parte vendedora e no imóvel pretendido do que empregaria uma pessoa comum, principalmente em se tratando de empresas com expertise imobiliária. 

Veja que a parte final do artigo 159 diz “ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante”. Ora, somente o fato de a empresa ser do ramo imobiliário se gera uma expectativa de que empregou uma diligência satisfatória na situação patrimonial do vendedor. 

Assim, eventual alegação futura de desconhecimento de débitos ou de exoneração de responsabilidade, provavelmente será rechaçada pelo Poder Judiciário, mormente pela proteção aos credores, que muitas das vezes são hipossuficientes. Daí a importância de se verificar, mediante documentos atualizados, toda a situação judicia da empresa ou pessoa vendedora e do imóvel em questão. 

Esse procedimento é chamado de Due Diligence. A título de exemplo e informação, os principais locais para certificar a inexistência de dívidas, são: Secretaria de Finanças do Município; Secretaria da Fazenda Estadual; Receita Federal; Serasa; Cartórios de Protestos; e distribuidor cível do domicílio do vendedor e da situação da coisa. 

Esses são os pontos principais a serem analisados e sua situação, positiva ou negativa, já será uma boa indicadora da idoneidade financeira do(a) vendedor(a). 

Superado esse ponto, e como uma alternativa negocial, caso o comprador, mesmo sabendo que o vendedor possui débitos, deseje realizar a aquisição, pode ele, ao invés de transferir o pagamento diretamente para a conta bancária do vendedor, depositá-lo em juízo, com a citação de todos os interessados. 

Dessa forma, estará isento de responsabilidade em eventual ação anulatória em face do negócio entabulado. Essa alternativa, inclusive, advém de um dos princípios basilares que ditam a hermenêutica do Código Civil de 2002, que é a conservação dos negócios jurídicos. 

Segundo esse princípio, o magistrado, ao aplicar a lei, deve procurar, sempre que possível, preservar ao máximo os efeitos do negócio jurídico celebrado, garantindo-se, nos limites legais, a autonomia das partes e a função econômica e social dos contratos. 

Essa forma de julgar vai ao encontro do disposto no parágrafo único do artigo 421 do mesmo diploma legal, que segundo o qual, no ramo do direito privado prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

Portanto, para dar mais segurança à parte compradora nos contratos imobiliários, é importante a inclusão de cláusulas contratuais que mitiguem os riscos de uma possível anulação, caso existam credores desconhecidos pelo comprador. 

Outro exemplo, ainda, seria a estipulação de cláusula prevendo a abertura de uma escrow account para o depósito do pagamento, que funciona como uma conta de garantia. Nesse caso, pode-se estabelecer que os valores ali depositados somente poderão ser levantados pelo vendedor após a superação das condições específicas previstas no contrato. 

Além dessas, existem algumas outras opções, cada uma com suas vantagens e desvantagens. Destarte, para esses casos é de suma importância o acompanhamento de perto por um advogado especialista em direito imobiliário, para que “surpresas” desagradáveis não ocorram no futuro. 

Por fim, este é somente um dos pontos a serem analisados em uma compra e venda de imóvel. Caso queira continuar lendo sobre o assunto, existe outro instituto, semelhante à fraude contra credores, sendo a fraude à execução. Neste, deve o adquirente estar atento às ações judiciais em trâmite contra o vendedor. Para saber mais, clique aqui.

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