10/10/22 por Maria Cristina em Artigos , Direito Societário
Quóruns de deliberações sociais nas sociedades limitadas (com as alterações trazidas pela Lei 14.451/2022) e nas sociedades anônimas
Em toda sociedade é necessário tomar decisões, o que geralmente é feito pelo administrador, entretanto, algumas decisões obrigatoriamente devem ser tomadas pelos sócios, portanto, chamadas de deliberações sociais ou deliberações dos sócios.
Para algumas matérias as deliberações sociais devem observar o quórum mínimo previsto em lei (“quórum legal”), ou seja, o número mínimo de votos necessários para que uma deliberação seja válida. Abordaremos nesse artigo sobre os quóruns de deliberação nos tipos societários mais utilizados: sociedade limitada e sociedade anônima.
Os quóruns legais das sociedades limitadas estão previstos na Lei 10.406/02 (Código Civil) e das sociedades anônimas na Lei 6404/76 (Lei das S/A).
Vale lembrar que tanto o contrato social (sociedade limitada) quanto o estatuto social (sociedade anônima) podem prever quóruns maiores de deliberação, entretanto não podem estabelecer quóruns inferiores ao legais.
Conhecer os quóruns de deliberações é de fundamental importância, pois eles estão diretamente ligados com o poder de controle dos seus sócios ou grupos de sócios em uma sociedade.
Em sucinta análise, depreende-se que os quóruns das sociedades anônimas são mais flexíveis que os das sociedades limitadas, entretanto, recentemente, com a publicação da Lei 14.451/2022 verifica-se uma certa tendência legislativa de aproximação de regras entre tais sociedades, embora a sociedade limitada ainda continue com quóruns mais rígidos que os da sociedade anônima.
Quóruns De Deliberações Nas Sociedades Limitadas
Em 22/09/2022 foi publicada a Lei 14.451 de 2022, que entrará em vigor no dia 22/10/2022, alterando os artigos 1.061 e 1.076 e do Código Civil, reduzindo quóruns de deliberação da sociedade limitada.
Com a nova redação do artigo 1.061 do Código Civil, o quórum para designação de administradores não sócios reduziu da unanimidade dos sócios para 2/3 dos sócios enquanto o capital social não estiver integralizado e, após a integralização do capital social, reduziu de 2/3 dos sócios para mais da metade do capital social.
Em relação ao artigo 1.076 do Código Civil, todas as matérias que anteriormente dependiam de votos que correspondessem a 75% do capital social passaram a ser aprovadas por votos que representam apenas mais da metade do capital social, quais sejam: alteração do contrato social, incorporação, fusão, dissolução da sociedade ou cessação do seu estado de liquidação
Assim, com a entrada em vigor da referida lei, pode-se dizer que, de um modo geral, para a maioria das matérias de uma sociedade limitada a deliberação de sócios passa a ser de votos que representem mais da metade do capital social, com exceção do quórum especial do artigo 1.061 do Código Civil, acima descrito.
Ato reflexo dessas alterações é que passa a possibilitar o controle da sociedade por sócios que detém um número menor de participação no capital social, o que poderá resultar em agilidade nas operações sociais. Por outro lado, tais alterações podem ser mal vistas pelos sócios com pequena participação, podendo até mesmo propiciar a propositura de demandas judiciais para manutenção dos quóruns anteriores em que as deliberações dependiam de seus votos ou mesmo o exercício do direito de retirada da sociedade, já que as alterações contratuais podem não refletir suas vontades quando dos seus ingressos nas sociedades e, portanto, agora não têm interesse de se manterem na sociedade sob as novas condições estabelecidas pela atual legislação.
Ressalta-se que, se houver expressamente a previsão no contrato social quanto aos quóruns anteriores e não forem modificados mediante alteração contratual, os sócios continuarão vinculados àqueles quóruns. Alterar ou não o contrato da sociedade dependerá da vontade dos sócios, o que inclusive poderá dificultar a adoção dos novos quóruns legais por resistência de alguns sócios, pois precisará observar o quórum fixado atualmente no contrato social, que é mais qualificado, para proceder com sua alteração.
Ainda, se no contrato social houver omissão quanto ao quórum, fazendo apenas referência ao cumprimento da legislação, passarão a vigorar sob as recentes previsões da Lei 14.451 de 2022.
Em suma, os novos quóruns legais estabelecidos pela referida lei não podem retroagir, somente se aplicando a partir de 22/10/2022 e, portanto, se aplicarão apenas para os casos de constituição de novas sociedades limitadas e para os contratos sociais em que não há previsão de quórum no contrato social ou que forem expressamente modificados em alteração contratual.
Segue abaixo um quadro resumo dos quóruns qualificados de deliberação para a sociedade limitada, contemplando as alterações da Lei 14.451/22:
Matéria |
Quórum de deliberação |
Designação de administradores não sócios antes da integralização do capital social |
2/3 do capita social |
Designação de administradores não sócios após integralização do capital social |
Mais da metade do capital social |
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Mais da metade do capital social |
Destituição do sócio administrador |
Mais da metade do capital social |
Modificação contrato social, Incorporação, fusão, dissolução, cessação de liquidação |
Mais da metade do capital social |
Pedido de recuperação judicial ou extrajudicial |
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Para os demais casos não especificados na lei, o artigo 1.010 do Código Civil prevê que: “quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um”.
Pelo acima narrado é possível dizer que as alterações supra mencionadas vai demandar atenção dos sócios, vez que impactará diretamente na participação ou não na tomada de decisões importantes da sociedade.
Para os que optarem em adaptar seus contratos sociais à nova legislação deverão se reunir e votar pela reforma do documento, objetivando a redução dos quóruns previstos ou fazer a remoção do texto constando a simples submissão à lei vigente.
Por fim, vale relembrar que nada impede que os sócios fixem quóruns intermediários, entretanto, sempre respeitando a margem mínima fixada em lei.
Quóruns De Deliberação Nas Sociedades Anônimas
As sociedades anônimas possuem quóruns mais brandos, fixados pela lei 6.404/7 (Lei da S/A). Primeiramente cabe lembrar que as deliberações nas sociedades anônimas são realizadas em Assembleias, que por sua vez se dividem em Ordinárias e Extraordinárias, a depender da matéria, exigindo inclusive quórum para suas instalações, ou seja, a quantidade mínima de pessoas presentes para que uma assembleia esteja apta a tomar decisões.
Necessário destacar que nas assembleias gerais os votos são contados de acordo com o número de ações de cada sócio, multiplicado pelo número de votos que corresponde a cada ação (já que uma ação ordinária poderá ter direito a mais de um voto, conforme previsão de seu estatuto, com limites traçados pela lei).
A regra geral, conforme se depreende do artigo 129 da Lei de S/A, prevê que as deliberações em assembleia ocorrerão por maioria absoluta de votos, o que vale dizer que deverá haver 50% mais um voto dos acionistas presentes na assembleia, não se computando os votos em branco.
A Lei de S/A também prevê alguns quóruns qualificados, onde a maioria refere-se a matérias relacionadas ao destino da companhia, em que é exigido aprovação por metade dos votos da companhia conferidos às ações com direito a voto (já que poderá haver ações sem direito a voto), quais sejam:
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criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto;
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alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida;
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redução do dividendo obrigatório;
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incorporação da companhia em outra, fusão e cisão;
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participação em grupo de sociedades;
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mudança do objeto da companhia;
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cessação do estado de liquidação da companhia;
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criação de partes beneficiárias;
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dissolução da companhia.
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Inserção de convenção de arbitragem no estatuo social;
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Incorporar ações destinados a conversão em subsidiária integral
Nesses casos, ocorrendo empate, o estatuto deverá estabelecer sua resolução por arbitragem ou por qualquer outro meio, devendo ser deliberado em assembleia. Se o empate persistir, ou se os acionistas não concordarem que um terceiro venha a resolver a decisão, caberá ao Poder Judiciário decidir.
Cumpre informar que nas companhias de capital fechado, desde que conste expressa previsão em seu estatuto social, poderá ser aumentado o quórum exigido para certas deliberações, com a condição de que sejam especificadas as matérias, entretanto, não será permitido diminuí-lo. Já para as companhias de capital aberto só é possível quórum qualificado em relação a matérias expressas em lei.
Ainda, a Lei da S.A., de forma esparsa em seu texto, prevê alguns quóruns especiais, para deliberações de maior gravidade, quais sejam:
Matéria |
Quórum de Aprovação
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Criação de classe de ações ordinárias com atribuição de voto plural – art. 110-A, § 1º |
Metade do total de votos das ações com direito a voto e metade das ações preferenciais sem direito a voto ou voto restrito |
Corrigir fala ou irregularidade apontada pela Junta Comercial na constituição da companhia ou do estatuto social – art. 97 § 1º |
Metade do capital social |
Aprovação de condições especiais de ativo remanescente em caso de liquidação - art. 215, § 1º |
90% dos votos conferidos pelas ações com direito a voto |
Distribuição de dividendo inferior ao obrigatório – art. 202, § 3º |
Unanimidade dos acionistas presentes na assembleia |
Transformação da sociedade em outro tipo |
Unanimidade dos acionistas (com e sem direito a voto), salvo se houver quórum menor previsto em estatuto |
Cisão com atribuições das ações integralizadas com parcelas do patrimônio da sociedade cindida em proporção diversa que os acionistas nela possuíam – art. 229, § 5º |
Unanimidade dos acionistas (com e sem direito a voto) |
Aprovar o pagamento da participação dos administradores sem que haja distribuição de dividendo obrigatório – 294, § 2º |
Unanimidade dos acionistas (com e sem direito a voto). |
Pelo que se depreende dos quóruns das sociedades anônimas, embora esse tipo de sociedade anônima apresente alguns quóruns qualificados e especiais, a deliberação da grande maioria de suas matérias representa a vontade da maioria de seus acionistas prevalecendo sobre a vontade da minoria.